Criação animal é resistência no Sertão do Pajeú


Animais de médio e pequeno porte são mais resistentes ao clima do Semiárido | Foto: Raimundo Bertino/Acervo Centro Sabiá

Em períodos de longa estiagem famílias agricultoras se apoiam na venda de animais, e conseguem reproduzir a prática através do Fundo Rotativo Solidário

Por Raimundo Bertino (assessor técnico do Centro Sabiá)

A criação animal no Sertão é de extrema importância social e econômica, como também é algo determinante para a sobrevivência e permanência das famílias agricultoras no campo. No Sertão do Pajeú, em Pernambuco, os primeiros colonizadores já traziam e criavam grandes animais e passaram a explorar essa região com a criação de gado, como também médios e pequenos animais, como aves, caprinos e ovinos. Hoje essa é a atividade econômica mais importante, e logo se tornou uma estratégia de assegurar a soberania alimentar e nutricional das famílias agricultoras.

A cultura dos sertanejos de criar animais é uma estratégia de sobrevivência. Quando chegam as estiagens e as plantações não conseguem produzir, o que fica para manter a família é a venda desses animais para comprar alimentos e outras necessidades das famílias. No Sertão do Pajeú, toda a agricultura familiar cria diversos animais. “Nós temos que criar de tudo um pouco porque é uma reserva, pois quando a gente precisa para uma urgência ou até mesmo para uma necessidade de casa a gente vende e consegue atingir nosso objetivo. Também recomendo criar cabras e galinhas. Pra quem tem pouca forragem e pouca água são animais muito resistentes”, comenta Seu Reginaldo, agricultor do Sítio Barreiro de Ibitiranga.  

Como estratégias de convivência com o Semiárido é importante que famílias criem animais, de médio e pequeno porte e que sejam mais resistentes, ou seja, animais mais rústicos. Infelizmente hoje nessa região poucas famílias criam animais de raças adaptadas, como a cabra Mocotó e a Canindé. Muitas famílias criam as chamadas ‘sem raças definidas’ que são a mistura de várias raças. A introdução de animais exóticos com a falsa ideia de que esses animais trazem lucros e são mais produtivos culminou na extinção de animais mais rústicos. Os animais exóticos são menos resistentes a estresse hídrico, precisam de uma alimentação especial e se alimentam de poucas plantas da Caatinga, isso gera mais custos para as famílias, encarecendo a criação. “As cabras Moxotó você pode criar soltas na Caatinga e não se preocupar, pois elas sobrevivem sempre nutridas, e quando não tem água elas se alimentam de plantas Cactos, plantas nativas que têm bastante água, e praticamente não adoecem. Apesar de ser um animal pequeno é mais viável criar animais desse tipo”, afirma Ricardo Gois, Técnico em agropecuária e Tecnólogo em Gestão Ambiental.          

É grande a importância da criação animal no Sertão do Pajeú nos produtos e subprodutos que a agricultura familiar produz. “Aqui eu crio porco, que mato, vendo e também nós comemos. A galinha que a gente come o ovo, as vacas e as cabras eu tiro o leite e faço queijo, doces e ainda vendo o couro. Não se perde nada porque até o esterco eu uso nas plantas, e pra mim e pra minha família sem esses bichinhos a gente não sobreviveria, porque quando tem uma precisão a gente vende um ou dois e consegue resolver. E se não tivesse ficava difícil, né? Tudo o que eu tenho hoje foi através desses animais que crio”, explica dona Josefa Gonçalves, agricultora do Sítio Açude do Caroá, no município de Carnaíba.

Fundo Rotativo Solidário 

A criação animal vem despertando interesse de organizações público e privadas e não governamentais. Um destaque é o projeto “Agrofloresta e criação animal”, o projeto executado pelo Centro Sabiá, no Sertão do Pajeú e no Agreste, teve início em 2007 e fo até 2011, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e gerar renda através da criação animal, principalmente para famílias que não tinham animais. O projeto também tinha o objetivo de adotar práticas de convivência com o Semiárido, como estoque de alimentos e forragens, e implantação de Sistemas Agroflorestais. No ano de 2015 e 2016 foram mais 50 cotas de animais. Desde 2007 no Sertão, já foram beneficiadas mais de 900 famílias (aproximadamente) em mais 90 comunidades e em 10 municípios.

O projeto tem na sua essência a criação animal de pequeno porte e também infraestrutura para esses animais, incentivando a agricultura agroflorestal e a solidariedade entre as famílias. Com o fundo rotativo solidário, os animais adquiridos são animais adaptados de médio e pequeno porte como galinhas, caprinos, ovinos e suínos, como também materiais para infraestrutura para esses animais. Os recursos também foram destinados para a criação de abelhas apis melífera, estimulando a Apicultura. A família recebe com o compromisso de repassar os animais para outra família como, por exemplo, Germano, que recebeu duas cabras e, com um ano e seis meses, repassou duas crias para outra família da comunidade. “A partir de duas cabras hoje já tenho 20 e já vendi mais de 80. É um excelente projeto que ajudou muita gente por aqui; todas as famílias que quiseram, receberam. Recebi em 2007 minhas ovelhas com a infraestrutura. Foi bom, cheguei a ficar com mais de 30”, afirma Germano Pedro, agricultor do Sítio Carnaubinha, em Triunfo, Pernambuco.

Portanto, é com os animais que as famílias criam que sustentam suas famílias financeiramente, principalmente em períodos de longa estiagem. Uma grande preocupação é com as sementes de animais de raças mais rústicas, que praticamente não existem mais, sendo uma grande perda nas sementes animais. São necessários um trabalho e uma atenção maior das organizações que trabalham com famílias rurais com relação a essas raças, e se começar um processo de recuperação e procriação dessas espécies. 

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Nós, do Centro Sabiá, desde 1993 promovemos a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. Nossa missão é "plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo a agricultura familiar agroecológica e a cidadania". Seu apoio através de uma doação permite a continuidade do programa Comida de Verdade Transforma e outras ações solidárias e inovadoras junto ao trabalho com crianças, jovens, mulheres e homens na agricultura familiar.

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